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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Conto abstrato


De repente me percebi caminhando, mas não me lembrava de quando começara. Na minha cabeça era como se eu tivesse sido colocado ali, no meio do caminho, instigado a andar sem parar. Não havia um passado. Por mais que eu vasculhasse a minha memória nenhuma lembrança surgia, exceto as que acompanhavam os passos recentes, que não eram muitos. Estranho demais pensar em continuar caminhando sem saber o motivo, mas minhas pernas continuavam como se movidas por uma força externa.

O futuro é sempre incerto. A incerteza causa medo. O desconhecido causa mais medo ainda. Isso eu tinha em mente. Não sei porque havia começado a pensar em futuro sem sequer ter vestígios do meu passado. E só pensar em futuro não adiantaria nada. Passei, então, a prestar atenção no presente.

À medida que os passos eram dados, imagens surgiam ao meu redor. Antes era apenas o caminho. Agora havia grama, flores, árvores. Era a minha atenção sendo mais bem usada. E mais coisas apareciam. Pessoas, carros, construções. Até música comecei a ouvir. Na verdade, tudo sempre esteve ali, mas eu estive tão preocupado com o passado e em saber do futuro que nunca parei para observar. E como o presente era bonito. Ou melhor, pelo menos podia ser visto assim, se eu tivesse a intenção.

Parei para observar uma árvore torta. Muito torta, digamos. Fiquei extasiado ao ver que ela se sustentava e se “comportava” como qualquer outra árvore. Uma lembrança. Continuei a caminhar e me deparei com um carro parado e abandonado. Toda cor já havia sido corroída pelo sol e plantas nasciam por todo lado dentro dele. O que era um carro tinha se tornado um objeto, uma escultura. Outra lembrança. Andando mais um pouco escutei uma música saindo de uma casa e parecia me puxar em sua direção. Parei, fechei os olhos e comecei a ouvir. Foi como se ganhasse um cafuné. E por algum motivo inexplicável, liguei-a ao meu caminhar. Outra lembrança. Observar fazia bem e era um aditivo para a criação de lembranças.

Redobrar a atenção para o presente foi de bom grado. Devia ter pensado nisso anteriormente...

Um comentário:

  1. Já havia comentado,mas... sumiu ! :-(
    Por mais que não percebamos, vamos sempre continuar a caminhar, seja mais rápido ou vagarosamente, errando ou acertanto! E se começamos a perceber coisas simples ao nosso redor... bom sinal, estamos caminhando bem!
    É isso, mais uma vez parabésn Erick.

    Derbo.

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