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sábado, 26 de janeiro de 2013

O desesperador



Certo dia, decidi ser responsável e fazer alguma coisa da vida que rendesse dinheiro. Com isso, nasceu a necessidade de ter que acordar cedo. Algum infeliz inventou a frase "Deus ajuda quem cedo madruga" e ela agora começava a fazer sentido na minha vida, ou pelo menos tentava fazer. "Deus, por favor, me ajuda mesmo!" 

Lá fui eu, lindo e alegre (só que não), tentar aprender a programar os meus horários e ter hora para dormir. Só que para isso, precisaria de um despertador, porque força de vontade não havia suficiente. Minha carteirinha de dorminhoco era vitalícia. Peguei o celular e programei o alarme, de lá mesmo, para tocar às 6:30 da matina, já sabendo que ensaiaria levantar e ficaria nessa até às 7:00. "Estratégia, meu filho! Ela é útil nessas horas também." Escolhi a música mais agradável que tinha na memória do celular e mandei bala.

The game has just begun.

Como previa, não consegui dormir cedo no dia anterior, porém a ansiedade pelo novo e o medo de causar má impressão no primeiro dia de trabalho, me fizeram levantar na hora com tranquilidade. Quer dizer, depois de acordar várias vezes durante a noite acreditando estar atrasado. Os dias seguintes seguiram mais ou menos da mesma forma, mas fui, aos poucos, acumulando sono pra dormir mais cedo. A primeira semana foi até tranquila.

No primeiro dia da terceira semana, começaram as falhas na estratégia... O desesperador, digo, despertador, tocou na hora e fui usando a função "soneca" de 5 minutos até não poder mais. Consequentemente, passei a aceitar a ideia de me atrasar um pouco. Um pouquinho só! Durante vários dias, mantive a linha alarme-soneca-alarme atrasando na média normalíssima de 10 minutos.

Passados alguns meses, eu já tinha certeza que o emprego era meu, o que trazia um conforto maior durante o sono. Ou seja, desastre. O despertador tocava e eu não mais ouvia e, quando ouvia, desligava sem nem notar. Acordava atrasado desejando uma morte súbita para que eu não precisasse sair da cama. Passei a ter um amor incondicional pela minha cama. Os minutos de atraso começavam, assim, a crescer exponencialmente. E chegara a hora de bolar uma nova estratégia.

Fui atrás de um novo despertador. Comprei um daqueles irritantes com som de bip. Assim, o alarme do celular continuava programado para a mesma hora, 6:30. E o de bip irritante coloquei às 6:50 e bem distante de mim, para eu ter que sair da cama para desligá-lo. Na altura do campeonato, eu odiava aquele toque do celular com todas as minhas forças. Contudo, não adiantava mudá-lo, pois também odiaria os próximos, com absoluta certeza. A estratégia, afinal de contas, estava renovada e os dias seguiram mais (in)felizes. Comecei a torcer que aquela perdurasse dessa vez. E perdurou, com a benção divina.

Certo dia, estava eu na casa de um amigo, com várias outras pessoas e, repentinamente, o celular de alguém começou a tocar com o MEU toque do alarme. Na mesma hora, o que era alegria virou sensação ruim de desespero. Vontade de encontrar o celular e destruí-lo, e dar um soco no dono. Naquele momento, eu tive a certeza que odiaria aquela música o resto da minha vida.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Coisas entaladas




Não faço ideia de quantas vezes deixei que frases ficassem entaladas na garganta por achar que seria loucura dizê-las. Nesse momento, por exemplo, é exatamente o que me ocorre. Estou com uma vontade enorme de distribuir toda minha admiração, todo o meu apreço, todo o meu carinho. Tudo de mais sincero que vêm à mente, assim, inesperadamente. Que vontade de falar!

Mas sei que logo viria em minha direção alguma desconfiança, ou o incisivo questionamento acerca de um suposto interesse escondido entre as minhas palavras. Diriam muitas coisas, eu sei. Os seres humanos não estão preparados para serem admirados sem um motivo aparente. E quantos seres humanos admiráveis existem por aí! Meu Deus, o Senhor variou bastante nas características, hein. E como é bom vê-los sendo o que são! Alguém consegue entender o meu êxtase?

Talvez eu realmente seja louco pelo simples fato de querer elogiar quando menos se espera, de querer abraçar quando sinto vontade, de querer dizer para certas pessoas que eu as acho lindas e incríveis. Talvez eu tenha mesmo perdido a noção quando vem a vontade de querer estar perto de quem instiga o meu interesse. Pessoas que nem sequer conheço, mas que forçaria um papo tranquilamente só para ter certeza de que são tudo ou mais do parecem ser. 

É... Por tudo que a sociedade dita, reconheço que seria loucura dizer àquela mulher bem vestida e cheia de elegância, que vai pelo mesmo caminho que eu todos os dias, quão linda a acho. Seria mesmo estranho parar aquele senhor, no qual vi pela primeira vez, apenas para dizer que acho charmoso seu cabelo grisalho, penteado para trás. E insano seria ter vontade de interromper a leitura daquele rapaz, sentado na beira da fonte, apenas para fazer algumas perguntas sobre o livro que está lendo. É tudo loucura, eu sei. É tudo o que não fazem.


Ando, quase sempre, com vontades assim. Há dias em que elas são ainda mais absurdas, se comparadas com o que geralmente taxam de absurdos. Por isso, as palavras continuam sempre entaladas na garganta. O que me resta é ser um louco consciente, limitado a meu ver. E algumas vezes, vou me soltando com quem me dá liberdade. Porque, graças a Deus, existe outros loucos como eu! Ainda que em pequenas quantidades.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Histórias repetidas







Sabe as novelas em que nos créditos aparece a mensagem “qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”? São entrelinhas que valem para vida de qualquer pessoa. É incrível como as histórias sempre se repetem, mudando apenas os personagens. Às vezes, mudando também os contextos.





  • A menina começa a ficar com o menino. Ela se apaixona e os dois mantêm um romance por algum tempo. Repentinamente o menino decide que é hora de pararem de ficar, pois não é momento para se ter um relacionamento. A menina, com certa relutância, aceita a decisão. Passado algum tempo (talvez em curto espaço de tempo), o menino muda o status do Facebook para namorando ou mesmo para casado. – História bem parecida com a do filme “500 dias com ela”.
  • A família reúne-se para o Natal. Todos socializam da melhor maneira possível, comendo, bebendo e compartilhando novidades. Do nada, um dos assuntos traz uma discussão desagradável. Os humores se exaltam, as vozes se alteiam, copos são quebrados e por pouco não acontece uma briga física. Termina com um dos familiares indo embora ofendido. Passado um tempo, estão todos confraternizando juntos novamente.
  • Duas amigas quase inseparáveis, daquelas que compartilham segredos e gostos, apaixonam-se pelo mesmo rapaz. Uma consegue “pegá-lo” e a outra fica ressentida chupando dedo. A amizade fica temporariamente abalada.
  • No primeiro dia de aula de uma faculdade, um garoto chega atrasado uma vez e ainda cochila na aula. Um dos colegas de classe o observa. Durante os dias seguintes, na mesma semana, o garoto repete o comportamento de chegar atrasado e cochilar. O garoto que o observava logo o classifica como mau aluno, como preguiçoso. Contudo, quando chega a época de provas, o suposto preguiçoso tira ótimas notas, se não as melhores da turma. Ele se manteve cansado por um tempo, possivelmente, por estar com problemas em casa, mas seu comportamento, sem explicações, foi mal interpretado e sua personalidade logo rotulada. – O tal efeito halo.
  • A menina vivia afirmando que nunca faria certa coisa. Repetia incansavelmente para Deus e o mundo que nunca faria aquilo. Um dia, “paga língua”.



Estes foram apenas alguns exemplos dos mais comuns; e alguns dos maus. Entretanto, as histórias boas também se repetem, uma vez que os finais felizes também existem. E o dito “Acontece nas melhores famílias” é usado por um motivo. Então, repetem-se as dores, repetem-se as alegrias.

Acredito que seja impossível mensurar a quantidade de histórias repetidas pelo mundo.  É bem provável que sejamos as criaturas mais previsíveis e repetitivas do universo. Mudam-se os tempos, os fatos e as situações, mas nossas ações vão seguindo sempre uma mesma linha.

Algumas vezes, é possível aprender com os erros de outra pessoa. Em outras vezes, teremos que passar pelas mesmas situações para compreender. E assim, vamos vivenciando nossas próprias histórias e as vendo se repetir em outros contextos.

"Não é verdade que as pessoas se repetem. O que se repete são as situações." (Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Narciso e as coisas



Narciso não gostava de pessoas. Narciso gostava de coisas. Dentre as coisas, havia os móveis, os livros, as músicas, as tecnologias, as fotos, as artes... Como era fácil gostar de coisas. Não importava ele o que fosse. Coisas não causavam medo. Coisas não julgavam. Coisas não faziam mal. E o que sentia por elas não fazia diferença alguma. Podia sentir o que fosse sem consequências. E ele conversava com as coisas quando ninguém via. Ainda que as coisas nunca o respondessem, ele se sentia muito bem após tais conversas. Coisas não usavam suas palavras contra ele mesmo. E coisas não distorciam o sentido de nada dito. Era extremamente fácil conviver com coisas. Narciso era claramente uma pessoa solitária e não fazia questão alguma de mudar. Estava, quase sempre, em um mundo paralelo, particular e impenetrável. Vivia entre pessoas, sem nunca conseguir gostar delas. Muitas vezes taxaram-no de louco, psicopata, problemático... “Coitado do Narciso!” Mas ele não se importava. Convivia com pessoas porque não havia outro jeito. De vez em quando tentava gostar de animais. Porém se identificava mesmo era com as coisas. Narciso não gostava de pessoas. E do seu jeito, era feliz.